Panorama do COVID-19 no mundo
October 2021
A new version of this study can be found here.
Abstract
It has been almost 2 years since the emergence of the COVID-19 virus. The pandemic control measures adopted by governments around the world have significantly affected everyone’s routine. With that in mind, it is of great interest to follow and evaluate the evolution of the pandemic to know its real effects and to consider the return to normal life. In this study, OWID data was used to see the evolution of cases, deaths, and vaccination. The impact of new variants on cases and deaths was shown as well as a possible relation with winter season.
The following page is written in Brazilian Portuguese.
Introdução
A COVID-19 é uma doença infecciosa causada por um recém-descoberto coronavírus.
Estamos completando quase 2 anos desde o surgimento do vírus COVID-19. As medidas para controle pandêmico adotadas por governos em todo mundo afetaram significativamente a rotina de todos e é de grande interesse acompanharmos a evolução da pandemia para saber seus reais efeitos e avaliar o retorno ao convívio normal.
Animações como esta serão usadas no texto. Se quiser saber como fazer e ainda interagir com as animações, acompanhe até o final
Neste trabalho, uma análise exploratória dos dados fornecidos pela Our World in Data (OWID) é feita, mostrando o avanço temporal de casos, óbitos e vacinação. Estudos comparativos e busca de correlações são feitos com intuito de melhor compreender os dados. Animações como a mostrada acima são mostradas e interpretadas.
Obtenção dos dados e bibliotecas utilizadas
Como já citado, os dados aqui utilizados são fornecidos pela Our World in Data (OWID) neste repositório, uma organização que reúne pesquisadores de todo o mundo para agregar dados de diversas fontes sobre os mais diversos problemas contemporâneos.
Obviamente que por ser uma doença recente cuidados devem ser tomados no que diz respeito à interpretação dos dados e relações de causa e efeito. Como será mostrado adiante, nem todos os países fornecem dados completos e há algumas inconsistências nos dados a depender de suas origens. Além disso, com o crescente conhecimento a respeito da doença, por vezes se faz necessário alterar a forma de agregar os dados, causando algumas dificuldades de análise temporal. Não podemos ignorar também o fato de que, infelizmente, a visão passada por veículos de mídia e governantes para população pode variar e ser distorcida a depender dos interesses momentâneos dos mesmos.
Assim, durante esse estudo, especial cuidado é destinado em apresentar os dados e buscar interpretá-los de forma rigorosa deixando claros eventuais limitações, conflitos e condições de contorno de cada análise. E, sempre lembrando, correlações não implicam em causalidade.
No total, a base de dados possui 65 variáveis e 122.175 entradas. Há ausência de muitos dados sobre hospitalização e realização de testes por nem todos os países terem informações oficiais, de forma que essas categorias foram deixadas de fora desta análise.
O pacote Pandas foi utilizado para trabalhar com
os dados e construir matrizes de correlações. Os pacotes
Matplotlib, Seaborn e
Plotly foram utilizados para construir os gráficos. A
biblioteca datetime
, presente em uma instalação padrão do Python, foi
utilizada para lidar com datas.
A base de dados baixada apresenta entradas até 8 de outubro de 2021, quando foi obtida. Porém, há alguns dados cuja periodicidade é diferenciada. Desta forma, vamos considerar como última data para análise 30 de setembro de 2021 para termos apenas meses fechados, de janeiro de 2020 até setembro de 2021.
Evolução do número de casos
Vamos começar nossa análise avaliando a evolução no número total de casos em todo o mundo.
Total de casos
Muito do que é exposto nas mídias foca na quantidade total de casos por país ou mundialmente. Vamos avaliar o perfil de crescimento no número de casos mundial:
Vemos que, desde o surgimento em meados de janeiro de 2020, foram necessários cerca de 3 meses para atingir 1 milhão de casos e 1 ano para 100 milhões de casos. Lembrando que esses são os casos efetivamente computados devido a testagem ou procura das pessoas pelas redes de saúde. O número real é potencialmente maior tendo em vista que a maioria dos casos é branda ou assintomática, de forma que os indivíduos não procuram as redes de saúde. De qualquer forma, considerando que a população mundial é estimada na ordem de 7,8 bilhões de pessoas, o número de casos até o momento indica que cerca de 3 % da população mundial já teve a doença.
Muito se fala das variantes do vírus. A Organização Mundial da Saúde (OMS) em seu site descreve os critérios para considerar uma determinada variante como sendo de interesse ou preocupante. A OMS também esclarece que os nomes são dados um certo tempo depois que as primeiras amostras de cada variante são analisadas, conforme a tabela:
Variante | Data da primeira amostra | Data do nome |
---|---|---|
alfa | Setembro/2020 - Reino Unido | Dezembro de 2020 |
beta | Maio/2020 - África do Sul | Dezembro de 2020 |
gama | Novembro/2020 - Brasil | Janeiro de 2021 |
delta | Outubro/2020 - Índia | Abril de 2021 |
lambda | Dezembro/2020 - Peru | Junho de 2021 |
mu | Janeiro/2021 - Colômbia | Agosto de 2021 |
Neste estudo, optou-se por utilizar a data da primeira amostra nos gráficos, motivo pelo qual a beta aparece antes da alfa. Tal escolha se deve ao fato de a variante já estar se espalhando desde a data de amostra independentemente de ter recebido um nome. Vamos adicionar aos gráficos anteriores linhas indicando as datas de aparecimento de cada variante:
O número de casos teve um acelerado crescimento inicial antes do surgimento da primeira variante (beta) e houve um aumento de 10 vezes entre as datas da variante beta e da variante alfa, um intervalo de 4 meses. O crescimento se torna, então, mais lento. Nos quatro meses entre as variantes alfa e mu o número de casos cresceu 3 vezes.
Vamos agora olhar os países com mais casos até setembro de 2021. Em um primeiro momento, podemos supor que países com maiores populações apresentem mais casos. Vamos verificar as maiores populações mundiais:
País | População |
---|---|
China | 1.444.216.102 |
Índia | 1.393.409.033 |
Estados Unidos | 332.915.074 |
Indonésia | 276.361.788 |
Paquistão | 225.199.929 |
Brasil | 213.993.441 |
Nigéria | 211.400.704 |
Bangladesh | 166.303.494 |
Rússia | 145.912.022 |
México | 130.262.220 |
Agora, vamos verificar os países com mais casos:
Vemos que 4 países dentre os que apresentam maiores populações no mundo também figuram entre os com mais casos: Estados Unidos, Índia, Brasil e Rússia. Há a ausência da China, mas os dados de lá não são confiáveis tendo em vista o regime ditatorial, sendo que o país até hoje se nega a fornecer dados mais completos sobre a própria origem do vírus.
Outra ausência que chama a atenção é a Indonésia. Novamente, devido a questões políticas, não se pode confiar totalmente nos dados reportados por tal país, visto que o próprio presidente da Indonésia afirmou em dado ponto que não estavam disponibilizando informações para “evitar pânico” na população.
Vemos por esses dois casos que há diversos fatores sociais, econômicos e políticos que podem afetar a análise. Há países entre as maiores populações que enfrentam questões políticas, econômicas e de saúde complicadas, como Paquistão, Bangladesh e Nigéria, que podem afetar a capacidade de tais países em acompanhar e reportar os casos adequadamente. Inclusive, de acordo com dados e relatórios das Nações Unidas, apenas dois terços dos países do mundo possuem registros de pelo menos 90 % dos nascimentos e óbitos e todos os países citados aparecem nos relatórios como países com dificuldades de registro.
Neste estudo, vamos nos ater ao que é apresentado. Mas é importante notar tais situações.
No gráfico interativo a seguir temos a situação de cada país por continente:
Para interagir com o gráfico, clique nos continentes para ter mais detalhes do mesmo. No celular pode ser que o título fique cortado pelo tamanho da tela, mas funciona igual.
No gráfico, temos uma ideia da proporção do total de casos de cada país frente aos demais de seu continente e do mundo.
Mas será que essa é a melhor métrica para avaliar comparativamente a situação de cada país?
Uma análise do total absoluto de casos não necessariamente reflete a realidade de cada país. Afinal, como já dito, países com maiores populações tendem a ter maior número de casos. No entanto, isso não significa que países com populações pequenas não possam estar em situação pior. Afinal, podem, relativamente ao seu número de habitantes, estar com elevado número de casos considerando suas redes de saúde. E regiões com maiores densidades populacionais podem favorecer uma maior taxa de transmissão (hipótese que será estudada mais adiante).
Vamos, então, verificar os países com mais casos por milhão de habitantes:
Percebemos uma grande mudança, aparecendo pequenos países. Em primeiro temos Seicheles, um país insular do continente africano, tendo um grande fluxo de turistas. Já em maio de 2021 notícias surgiam mostrando o aumento de casos no país apesar de ter sido o mais vacinado do mundo (proporcionalmente à sua população) na época.
Inclusive, vemos no gráfico outros países que atingiram rapidamente elevadas taxas de vacinação e, mesmo assim, tiveram picos de novos casos como, por exemplo, Israel. Veremos dados de vacinação mais adiante.
Vamos ver em um gráfico interativo mostrando cada país por continente:
Veja como a análise proporcional muda significativamente o perfil do gráfico. Todos os países que apareciam como líderes em totais absolutos não figuram entre os que possuem mais casos por milhão de habitantes, com exceção dos Estados Unidos. Na Europa, vemos uma maior participação de países do leste europeu que, inclusive, parece estar entrando em uma nova onda. Na América do Sul, vemos que o Brasil se encontra em terceiro, atrás de Argentina e Uruguai, países que foram considerados modelos em diversos estágios da pandemia com suas medidas restritivas e lockdowns.
Vamos ver um mapa interativo mostrando a evolução do total de casos por milhão em cada país. A consolidação foi feita por mês apenas para deixar a animação do mapa mais rápida, se fosse evolução diária seria uma animação bem demorada.
Caso queira interagir com o mapa, clique na animação que você será redirecionado para uma plataforma onde pode verificar mais detalhes. Mas termine de ler o texto primeiro ;-)
Vemos no mapa que apenas alguns países da África apresentaram significativa evolução no número de casos. Como já escrito anteriormente, provavelmente isso está relacionado com as precárias condições de tais países em reportar adequadamente casos e mesmo realizar testes. No entanto, como será mostrado adiante, o perfil mais jovem da população também pode ter alguma relação, já que a doença é mais branda em jovens, o que pode fazer com que menos pessoas busquem tratamento, ficando de fora dos números oficiais. Há alguns estudos que sugerem tal explicação, além de outras.
Vemos na Oceania poucos casos na Austrália e na Nova Zelândia. Os dois países adotaram políticas altamente restritivas e questionáveis buscando zerar novos casos e se veem forçados a afrouxar tais políticas por não terem tido o efeito desejado e estarem quebrando suas economias.
Idade e PIB per capita
Para verificar se o número de casos possui alguma relação com o PIB per capita do país ou a idade da população, vamos criar um gráfico interativo buscando avaliar como os casos variam com a expectativa de vida e o PIB per capita:
No gráfico vemos claramente que os países do continente africano possuem, em sua maioria, menores expectativas de vida e menores PIB per capita (menores círculos no gráfico). No entanto, Seicheles, país africano com maior PIB per capita e uma das maiores expectativas de vida do continente, lidera os dados mundiais em total de casos por milhão.
Vemos uma tendência similar em outros continentes, maiores expectativas de vida e PIB per capita com mais casos. Obviamente que países mais ricos tendem a ter populações mais velhas ou, melhor dizendo, maior parcela da população com idade avançada e, como a doença afeta mais pessoas idosas, é de se esperar maior notificação de casos nesses países. No entanto, cabe destacar que há notáveis exceções à essa tendência como, por exemplo, o Japão.
Uma maior expectativa de vida, no entanto, não necessariamente significa que a população atual possui mais idosos que jovens. Assim, vamos repetir o gráfico substituindo o eixo de expectativa de vida por mediana de idade:
Vemos a mesma tendência: população mais velha, mais casos notificados.
Novos casos
Até o momento, focamos em avaliar a evolução do total de casos no mundo e em cada país. Agora, vamos verificar a evolução de novos casos, à medida que foram sendo reportados. Assim, podemos verificar em quais momentos houve maior notificação, as popularmente chamadas “ondas” de casos.
A base de dados apresenta as entradas na forma de dados diários e na forma de média móvel de 7 dias. A média móvel ajuda a visualizar melhor a tendência dos dados, visto que há grande variação dos dados diários. Vamos começar com os casos em todo mundo:
Vemos que está surgindo um padrão de aceleração de casos e máximos. Em 2020 vimos três grandes saltos em novos casos, por volta de março/abril, por volta de junho/julho e por volta de outubro/novembro. Em 2021, já vimos novamente saltos em abril e julho, ficando a expectativa de novo crescimento de casos na parte final do ano.
Podemos verificar se há algum indício de relação entre novos casos e as variantes:
Em 2020, vemos que o aumento de casos entre junho e julho ocorre após o surgimento da variante beta. De forma similar, após o surgimento da variante delta, ocorre o aumento significativo de casos entre outubro e novembro. Isso corrobora as afirmações veiculadas frequentemente na mídia que tal variante, assim como as que surgiram posteriormente, são mais transmissíveis.
Agora, sabemos que em estações mais frias usualmente há mais casos de resfriados e gripes. Será que há alguma relação entre inverno e casos de COVID-19? Vejamos:
Vemos que há uma possível relação, repare os períodos entre junho e setembro de ambos os anos e o período entre dezembro de 2020 e março de 2021. No entanto, o máximo entre abril e maio de 2021 não encaixa muito bem nessa explicação.
Vamos comparar os dados consolidados mundialmente com os dados individuais dos países que vimos anteriormente possuir mais casos:
Aqui vemos mais claramente como o pico entre abril e maio de 2021 possui grande influência da Índia e talvez seja decorrente de algo específico deste país. Na época, notícias também demonstravam uma certa dúvida nos motivos que levaram a Índia a ter esse surto de casos, suspeitando-se de novas variantes ou de espalhamento para os grandes centros urbanos.
Vamos verificar o perfil de cada continente, ainda comparando com o acumulado mundial:
Aqui percebemos que o perfil da Ásia não acompanha fielmente o da Europa e o da América do Norte, mesmo estando todos estes continentes no mesmo hemisfério. Mas, como vimos, há grande efeito dos números da Índia no continente asiático e há diversos países suspeitos de subnotificação no mesmo continente, de forma que a comparação pode ser prejudicada.
Quanto as continentes do hemisfério sul, não se pode afirmar claramente se há alguma tendência conjunta.
A dificuldade em encontrar padrões entre continentes é resultado da grande diferença de população entre os mesmos, além da posição geográfica e de possíveis subnotificações já citadas. Não necessariamente pertencer ao mesmo hemisfério significa ter estações do ano similares. Além de haver diversos fatores relacionados ao microclima de cada país/região e, obviamente, aspectos políticos e econômicos muito distintos. Apenas de forma ilustrativa, vejamos a população de cada continente:
Continente | População |
---|---|
Oceania | 43.219.954 |
América do Sul | 434.260.138 |
América do Norte | 596.581.283 |
Europa | 747.747.396 |
África | 1.373.486.472 |
Ásia | 4.679.660.580 |
Já vimos que aparentemente há um caráter sazonal nos casos de COVID-19. Vamos criar um mapa que apresente esse perfil para cada país. Assim como já discutido para o total de casos, talvez seja mais elucidativo comparar os novos casos por milhão de habitantes, para diminuir eventuais efeitos de países com grandes populações:
Caso queira interagir com o mapa, clique na animação que você será redirecionado para uma plataforma onde pode verificar mais detalhes. Mas termine de ler o texto primeiro ;-)
Observe como as cores oscilam para os países enquanto o tempo passa, e como as oscilações não são sincronizadas. Compare, por exemplo, os Estados Unidos e o Brasil para perceber essa falta de sincronia.
Agora, será que há alguma forma de medir a velocidade de transmissão da doença?
Taxa efetiva de reprodução (R)
A taxa efetiva de reprodução (R) é o número médio de pessoas infectadas em determinado momento por um indivíduo infectado introduzido em uma população parcialmente imune. Atenção ao “parcialmente imune”, pois no início da pandemia muito se falava do R0, que é um conceito análogo mas para uma população completamente suscetível, ou seja, sem indivíduos imunizados seja por contágio prévio ou por vacinação.
A interpretação do valor calculado de R é simples:
- R > 1: o número de casos da doença está aumentando. Epidemia
- R = 1: cada infectado causa uma nova infecção. Endemia
- R < 1: cada vez menos indivíduos se infectam e o número dos contágios retrocede.
Vamos verificar se podemos visualizar alguma relação entre mudanças no valor de R e as diversas variantes:
Valores elevados aparecem apenas no início do período. É possível perceber leves aumentos coincidentes com os períodos de máximos de novos casos discutidos anteriormente. Como se trata dos valores de todo o mundo, a curva pode estar sendo balanceada entre países com taxas elevadas e países com taxas baixas. Vamos refazer o gráfico com os dados dos cinco países com mais casos:
Aqui vemos mais flutuações, especialmente no caso do Reino Unido. Os períodos de maiores valores coincidem com os períodos de aumento de novos casos vistos anteriormente.
Em um primeiro momento, podemos pensar se há alguma relação entre a taxa de reprodução efetiva e a densidade populacional de um país. Afinal, mais pessoas próximas pode levar à uma maior transmissibilidade. Vamos verificar os países com maiores taxas de reprodução efetiva ao fim de setembro de 2021 e verificar se há algum sinal de correlação:
Vemos que Singapura, localidade com segunda maior densidade populacional do mundo, apresentava ao final de setembro de 2021 a maior taxa de reprodução. No entanto, Mônaco, maior densidade, está com valor de R < 1. Ao menos pelo gráfico, não parece haver uma correlação tão direta entre as duas variáveis mas, como são dinâmicas, o ideal é fazer uma análise temporal e não estática como no caso. Perceba, também, que a variável escolhida para o tamanho dos círculos foi o total de casos por milhão em cada localidade. Veja que há localidades com grande quantidade de casos acumulados mas com R < 1, indicando que já tiveram momentos de maior contágio no passado mas que, em setembro de 2021, estavam em momentos de retração de contágio.
Evolução do número de mortes
Infelizmente alguns casos acabam levando a mortes. Vamos analisar como foi a evolução dos números.
Total de mortes
Começando pelo total de mortes no mundo:
Observe que a ordem de grandeza dos eixos é bem menor que a vista no gráfico análogo referente ao número de casos. Voltaremos a esse ponto posteriormente.
Vamos verificar os países que possuem os maiores totais de óbitos até setembro de 2021:
Vemos que o Brasil aparece em segundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Também observamos a presença de dois outros países da América do Sul entre os 10 países: o Peru e a Colômbia. Como tais países não possuem populações tão numerosas quanto os primeiros colocados, é um sinal que a proporção de mortes por milhão em tais países é alta, o que veremos mais adiante.
Como já discutido ao apresentar os dados referentes a casos de COVID-19, números absolutos por vezes distorcem nossa percepção sobre os impactos reais em cada localidade. Faz mais sentido avaliar os números por milhão de habitantes.
Percebe-se claramente que a situação do Peru é diferenciada. E tal situação vem chamando a atenção da mídia mundial e de periódicos especializados. As condições precárias em regiões mais pobres do país e problemas no setor de saúde parecem contribuir para o alto número de óbitos. Da mesma forma, a situação do leste europeu tem gerado manchetes nos principais veículos de mídia mundiais.
Vamos analisar a situação de cada país por continente:
Já fiz uma pequena discussão na parte de casos acerca de países que provavelmente estão com dados abaixo dos números reais. Mas aqui cabem mais algumas observações sobre este tópico.
Começando pela América do Sul, percebemos a quase ausência da Venezuela, com um número muito abaixo de seus vizinhos. Obviamente que tal fato chamou a atenção a ponto de a Nature e o periódico BMJ irem verificar a situação. Como é de se esperar de regimes ditatoriais, há grande opressão governamental para abafar os casos e óbitos, além de falta de recursos básicos para controle da situação, conforme descrito nos links.
Na América do Norte, apesar de boa parte da atenção midiática ser destinada aos Estados Unidos, vemos que o México possui maior número de óbitos por milhão de habitantes.
Por fim, um pouco sobre a África e a Ásia. De acordo com as Nações Unidas parte significativa dos países africanos e asiáticos não possuem registros de mortes eficientes, conforme figura abaixo, retirada do site da instituição. Desta forma, cuidado deve ser tomado ao se fazer comparações com estes países.
Há também esta notícia a respeito dos problemas de registro de óbitos em países africanos.
Vejamos um mapa interativo da evolução das mortes por milhão em cada país:
Caso queira interagir com o mapa, clique na animação que você será redirecionado para uma plataforma onde pode verificar mais detalhes. Mas termine de ler o texto primeiro ;-)
Novas mortes
Até o momento focamos em avaliar a evolução do total de óbitos no mundo e em cada país. Agora, vamos verificar a evolução de novos óbitos, à medida que foram sendo reportados. Assim, podemos verificar em quais momentos ocorreram as popularmente chamadas “ondas”.
A base de dados apresenta as entradas na forma de dados diários e na forma de média móvel de 7 dias. A média móvel ajuda a visualizar melhor a tendência dos dados, visto que há grande variação dos dados diários. Vamos começar com as mortes em todo mundo:
Vemos que os novos óbitos acompanham o perfil de novos casos já discutido anteriormente, notando-se apenas uma grande diminuição na ordem de grandeza. Desta forma, as mesmas discussões e relações observadas com as datas de variantes e épocas de inverno se mantêm.
Da mesma maneira, as comparações com os países com mais casos e com os continentes individuais feitas na discussão sobre os casos continuam válidas para os óbitos. Assim como a sazonalidade observada para novos casos. Para o artigo não ficar muito longo, retirei os gráficos desta parte. Caso queira verificar todos os gráficos e análises, veja o repositório linkado ao fim do artigo.
Evolução no número de vacinados
Certamente um dos pontos mais discutidos recentemente no contexto da pandemia. Vamos verificar a evolução.
Total de vacinados
Começando pelo total de vacinados:
Os gráficos começam em dezembro de 2020, quando as primeiras doses foram aplicadas ao redor do mundo. Vemos que, até setembro de 2021, cerca de 3,5 bilhões de pessoas já receberam ao menos uma dose da vacina, praticamente metade da população mundial. Os saltos nos gráficos se devem a questões de disponibilização dos dados.
Vejamos quantas pessoas já receberam todas as doses protocolares:
Agora, quais países possuem mais pessoas vacinadas com ao menos uma dose:
Vemos aqui que a Índia, considerando sua imensa população, já vacinou com ao menos uma dose cerca de metade das pessoas. Brasil e Estados Unidos também possuem quantidades significativas de pessoas vacinadas. Lembrando que não necessariamente o número a ser buscado é 100 % tendo em vista que os protocolos atuais não preveem vacinações em crianças.
Assim como para casos e óbitos, análises comparativas fazem mais sentido com números relativos ao total da população de cada localidade. Vejamos, então, os locais com maior percentual da população vacinada:
Obviamente que o valor para Gibraltar está equivocado. De acordo com a OWID, valores maiores do que 100 % podem ocorrer quando os valores para população estão desatualizados e/ou quando pessoas não residentes nos locais acabam entrando na conta como, por exemplo, turistas. No caso de Gibraltar, o aspecto turístico pode estar causando essa distorção.
Como era de se esperar, vemos o predomínio de localidades relativamente pequenas no que diz respeito ao número de habitantes. Vejamos um gráfico de países por continente:
Observe que o gráfico acima possui menos países que os mostrados anteriormente para casos e óbitos. Isto se deve ao fato de que nem todos os países possuem registros oficiais de vacinados de onde a OWID possa obter dados. O intervalo de disponibilização dos dados também é distinto para cada país, de forma que comparações devem ser feitas com cautela.
Vejamos se há alguma relação entre quantidade de vacinados e PIB per capita e se países com pessoas mais velhas estão se vacinando mais:
Como já discutido anteriormente, países com maior PIB per capita tendem a ter uma população mais velha e, pelo gráfico, uma maior parcela da população vacinada. Faz sentido se considerarmos que há custo envolvido em adquirir as vacinas, de forma que países mais ricos tendem a conseguir adquirir vacinas mais facilmente e a ter melhores condições de realizar grandes campanhas de vacinação.
Novas vacinações
Já vimos a evolução dos números totais, vejamos agora a evolução de novas vacinações:
Vemos que há uma tendência decrescente. Podemos considerar algumas hipóteses para este declínio que, provavelmente, ocorrem em conjunto:
- a mais evidente é que à medida que mais pessoas completam o protocolo de vacinação, menos vacinas são tomadas;
- países mais pobres estão tendo dificuldades de adquirir vacinas. Conforme o artigo do link, há pressão para que as patentes das tecnologias aplicadas pelas grandes farmacêuticas sejam quebradas para que empresas locais possam fabricar as vacinas a um menor custo. Ou que sejam feitas colaborações com as tais empresas;
- menos pessoas querendo se vacinar, por diversos motivos como (evidências nos
links):
- a crescente percepção pública e de cientistas de que as vacinas são menos eficazes do que inicialmente se pensava, especialmente devido ao surgimento de variantes;
- crescente desconfiança quanto a potenciais conflitos de interesse que eventualmente contribuíram para a aprovação emergencial das vacinas com triagem diferenciada e para o boicote a medicamentos utilizados no que ficou conhecido como tratamento precoce;
- crescente revolta entre a população de diversos países frente à imposição dos chamados passaportes de vacinação. Exemplos aqui e aqui.
Qual dos motivos apontados contribui mais ou se há mais algum motivo é difícil de avaliar com base nos dados disponíveis.
Comparações e correlações
Já analisamos casos, óbitos e vacinações de forma separada. Vamos começar a buscar comparações e correlações. Primeiro, vamos comparar a ordem de grandeza entre casos, mortes e vacinações:
Como já abordado brevemente anteriormente, há uma diferença de cerca de duas ordens de grandeza entre casos e mortes. Podemos ver isto também em um gráfico com os mesmos dados por milhão de habitantes:
Esta observação está coerente com estudos que indicam que a mortalidade da COVID-19 fica em torno de 1 a 2 %. Cabe ressaltar que há diferentes formas de cálculo e interpretações para mortalidade como mostra esse material da OMS, especialmente com a pandemia em andamento. E já vimos que há diversas questões envolvendo a disponibilização de dados por parte de alguns países.
No entanto, se confirmada essa faixa de mortalidade, a pandemia de COVID-19 seria proporcionalmente menos fatal que outras pandemias no último século. O que diferencia a COVID-19, segundo estudos, é sua alta transmissibilidade que a espalhou por todo o planeta, de forma que a contagem total de mortos se tornou elevada. Cabe ressaltar que, como toda comparação, cuidados devem ser tomados e há estudos que abordam tais cuidados, que fogem ao escopo deste trabalho.
Durante a análise, em alguns momentos correlações de casos e óbitos com idade da população e PIB per capita foram estudadas. Vamos avaliar, através de matrizes de correlação, se há correlações positivas ou negativas entre variáveis. Comecemos procurando relações entre totais de casos/óbitos com vacinação, indicadores de riqueza e indicadores de idade:
Podemos criar matriz similar mas para novos casos/óbitos/vacinações e suas relações com índices que variam no tempo:
Nas figuras acima temos algumas correlações mais óbvias e que já foram discutidas no decorrer do estudo, que são:
- correlação positiva entre idades mais avançadas e maior PIB per capita;
- correlação positiva entre mais pessoas vacinadas e maior PIB per capita;
- como consequência das anteriores, correlação positiva entre pessoas vacinadas e idades mais avançadas
Outras correlações:
- correlação positiva entre pessoas vacinadas e casos por milhão;
- correlação negativa entre pessoas vacinadas e mortes por milhão;
- correlação positiva entre o índice de restrição e a taxa de reprodução efetiva;
- correlação positiva entre o índice de restrição e novos casos;
- correlação positiva entre o índice de restrição e novas mortes;
Estas três últimas correlações, embora fracas, encontram respaldo em algumas publicações científicas recentes, como esta e esta, que parecem indicar ineficácia ou mesmo piora no número de casos e óbitos devido ao uso de medidas restritivas.
Muito se fala sobre o efeito de comorbidades, vamos verificar se há correlações envolvendo as variáveis referentes a doenças:
Curiosamente, há correlação negativa entre taxa de mortalidade por doenças cardiovasculares (lembrando que os dados são de 2017) e casos e óbitos. E há correlação positiva entre mulheres fumantes e casos e óbitos, assim como para homens mas com valores menores. Não se pode fazer análises muito profundas com base nestes dados pois não significam que as pessoas que tiveram os casos ou morreram tinham as doenças ou fumavam. Os dados de fumantes e doenças são para cada localidade e não para cada indivíduo.
Brasil
Para terminar, vamos abordar um pouco da situação brasileira. Em alguns momentos durante o estudo, comentários já foram feitos acerca do país, então apenas complementaremos com mais informações.
Comecemos verificando como a evolução de novos casos se relaciona com as datas de surgimento de novas variantes e com os períodos de inverno:
No gráfico há um aumento significativo de casos logo após a variante gama, cuja primeira amostra foi no país. No entanto, cabe ressaltar que as variantes podem demorar um certo tempo para se espalhar pelo mundo, de forma que as datas das outras variantes não necessariamente são estas no país.
Há picos de casos nos invernos, porém o maior pico foi entre março e maio de 2021. E no último inverno tivemos um pico no início da estação mas, um perfil decrescente na parte final.
Vejamos o perfil de novos óbitos:
Vemos que o perfil de novos óbitos segue o de novos casos, mas em menor ordem de grandeza.
Infelizmente a base de dados é bem incompleta para o Brasil. Há ausência de diversos dados referentes a hospitalizações e testes. Em breve farei um estudo focado no país utilizando dados oficias governamentais. Acompanhe meu perfil no LinkedIn para saber quando eu divulgar.
Conclusões
Foi uma longa análise, mas espero que tenha sido proveitoso e que tenha trazido novas visões a respeito da pandemia. Busquei colocar links para diversas notícias e estudos com o intuito de embasar afirmações e facilitar a compreensão por parte dos leitores. Vamos fazer uma breve recaptulação do que foi mostrado:
- evolução de casos e mortes e possíveis relações com variantes
- sazonalidade dos casos e mortes e possível relação com períodos de inverno
- importância de avaliar os dados por milhão de habitantes ao invés dos totais
- correlações existentes entre diversas variáveis
Caso tenha dúvidas, comentários e/ou críticas construtivas me procure:
Veja o repositório no GitHub para ter acesso ao código e à análise completa. Ou, se preferir, clique no ícone abaixo para abrir o trabalho completo no Google Colab:
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